terça-feira, 1 de novembro de 2011

As ONGPACGPs


Por José Estevão Cocco
Fúncio estava pensativo, sentado na frente da sua morada. Estava preocupado, pois não conseguia trocar os tacapes que fazia nem por arroz. Naquela aldeia, quem tinha arroz já não precisava mais dos tacapes do Fúncio. Talvez em outra aldeia. E lá foi ele tentar escambar a sua mercadoria.
- Eu lhe dou um tacape e você me dá uma galinha.
- Mas a minha galinha vale mais do que um tacape.
- Então lhe dou dois tacapes!
- E o que eu vou fazer com dois tacapes?
No caminho de volta, sem a galinha ou qualquer outra coisa, notou alguns homens pescando. Mergulhados na água até na cintura, fisgavam os peixes com varetas de pau. Era muito difícil.
- Ei, quer trocar um tacape por um peixe?
- Não, tacape não enche barriga!
E lá se foi Fúncio.
-Peraí, pensou. Em vez de tacape, posso fazer armadilha para peixe...
Durante alguns dias ficou pensando numa maneira mais fácil de pescar.
Além dos pescadores precisarem ficar dentro d’água, a maioria dos peixes escapava. Quando a água era meio turva, ninguém via nenhum peixe.
E Fúncio criou o anzol. Tosco, era só um gancho feito de madeira.
Mas foi um sucesso. Criou também um processo de pesca.
-Coloque na ponta do anzol algum alimento que o peixe se fisga sozinho, alardeava.
Com o anzol, Fúncio vivia com a sua morada cheia de coisas trocadas por ele. Comida, couros, animais. O anzol era muito valorizado nas trocas.
Fúncio já não conseguia fazer sozinho toda a produção necessária para atender a demanda. Pensou, pensou e resolveu convidar o seu cunhado para ajudar. Revolução na aldeia. Alguém iria ajudar outro em troca de alguma coisa.
- Para cada 5 anzóis que você fizer eu lhe dou uma galinha. 50 anzóis uma cabra...
O fato causou grande polêmica na aldeia. O Conselho de Proteção aos Aldeões, CPA, se reuniu e resolveu criar uma série de obrigações para Fúncio e direitos para os ajudantes. Ah, não esqueça de que o CPA precisa sobreviver e, para isso, sobre todas as galinhas e cabras que os aldeões receberem, uma parte, digamos uns oitenta por cento, devem ser entregues ao CPA.
O sucesso do anzol foi tão grande, que muitas outras aldeias vinham ao Fúncio.
Foram contratados mais 10 ajudantes. Aliás, 10 funcionários, como passaram a ser chamados os ajudantes de Fúncio. Como os anzóis estavam vendendo muito, Fúncio não se preocupou em melhorar o produto. Só podiam comprar dele mesmo! Praquê perder tempo.
Numa outra aldeia, a Aldeião, vivia um homem observador e muito criativo. Era o Rival do Aldeião. Utilizava a técnica de outra aldeia, a Aldeiané, que se especializou em analisar os produtos de outras aldeias, melhorar tecnicamente, miniaturizar e colocar no mercado. Sempre era sucesso.
Rival notou que os pescadores se queixavam de que os peixes escapavam com facilidade do anzol do Fúncio. Usando da sua criatividade e técnica, desenvolveu o anzol Rival. Na ponta do gancho tinha uma saliência que não deixava o peixe escapar. Para que todos os pescadores conhecessem o anzol, Rival foi de aldeia em aldeia, de rio em rio, de lagoa em lagoa, fazendo demonstração das qualidades do seu anzol. Não se esqueceu de presentear os líderes de pescadores com anzóis. Logicamente o Conselho de Proteção ao Aldeão de Aldeião, CPAA, também entrou no promissor negócio.
Rapidamente, os anzóis do Rival passaram a ser procurados e mais valorizados do que os de Fúncio. Enquanto os do Fúncio valiam, agora, mero franguinho, o anzol Rival era trocado por no mínimo 3 galinhas poedeiras.
Mas o grande problema de Fúncio não era simplesmente não trocar mais anzóis, era o estoque que tinha feito e tinha que pagar para os seus funcionários.
Depois de esgotado o seu chicken-flow, já não tinha bens suficientes para pagar os 11 funcionários. Propôs então a eles que pagaria em anzóis.
- O que vamos fazer com anzóis que não vendem? Queremos nossas galinhas e cabras. Acordo é acordo. O Conselho de Proteção ao Aldeão está atento. Nem vem com essa estória de mercado ruim... Podemos até fazer um acordo e ficar com a sua morada...
Fúncio faliu e os funcionários ficaram sem ter o que trocar. Em pouco tempo também estavam, de novo, sem ter o que fazer e lutando para comer. Como eles tinham conquistados direitos, formaram uma comissão e foram ao CPA.
- Precisamos da sua proteção. O incapaz do Fúncio não conseguiu trocar os anzóis e nós estamos desamparados. Dedicamos os melhores tempos de nossas vidas para ele e é isso que recebemos em troca. A Aldeia precisa tomar alguma providência.
- Vocês têm razão. A Aldeia precisa fazer alguma coisa por vocês. De hoje em diante vocês vão receber 1 galinha e leite de cabra, todos os dias até resolverem a situação, disse o líder do CPA, Chopiniano Mamão.  Enquanto isso, vocês ficam à disposição deste Conselho, ajudando a fiscalizar a Aldeia para que incapazes como o Fúncio não nos cause mais problemas.
- Mas onde obteremos as galinhas e o leite? perguntou um dos  conselheiros.
- Vamos confiscar os Fúncios da Aldeia e cobrar uma galinha de todos os que trouxerem anzóis Rival para cá. Dessa forma vamos socializar a forma de sustentar quem tem direitos adquiridos.
Fúncio criou outros produtos. O arpão, a vara de bambu flexível. Voltou a ter produtos valiosos para trocar. Mas resolveu valorizar a sua habilidade e criatividade. Fazia tudo sozinho. Compromissos só ligados a resultados. Não queria nem saber de buscar ajuda com outros aldeões. Só contratava serviços de outras aldeias que não tinham exigências.
Os ex-funcionários também passaram a valorizar a sua “mão-de-obra”. Os cinco realmente capacitados, criativos e parceiros, partiram para fora da aldeia. Foram ajudar o Rival. Até com trocas mais vantajosas. Como o produto Rival tinha melhor valor de troca, eles também recebiam mais bens pelos anzóis. Só que tinha uma grande diferença do tempo de Fúncio. Eles recebiam pelos anzóis vendidos e não pelos produzidos. Foi outra revolução. Passaram a entender o grande mal que tinham feito a si próprios ao não se entenderem para, juntos, resolver os problemas de Fúncio.
- Em vez de valorizarmos a nossa criatividade e capacidade, sermos parceiros de Fúncio e desenvolver outros produtos para ter lucro juntos, preferimos nos submeter ao Rival.
Os outros ex-funcionários, sem maiores capacidades, continuaram sendo sustentados pela aldeia, pois estavam desempregados e como tal, tinham direitos conquistados. Direito de viver à custa da aldeia, recebendo galinheiros inteiros como indenizações e estimulando outros aldeões a exigirem seus direitos. Como passaram a fazer parte do poderoso Conselho de Proteção ao Aldeão, receberam quinhões da aldeia para representar o CPA, com direito a poder contar com a ajuda de seus familiares e amigos, devidamente agraciados com gordas penosas e de mamar nas cabras do CPA.
Como tudo que é bom atiça a cobiça, membros do CPA, descontentes com os seus quinhões, resolveram criar outros CPAs. Assim vieram o CPA do A, o CPA do B, o CPA do C. Como não era negócio para nenhum deles a concorrência, decidiram criar o CPA de Mor, com representantes de todos os CPAs. Logicamente, para arcar com a remuneração de todos os membros, mais a estrutura de todos os CPAs, montaram diversas ONGPACGPs (Organizações Não Governamentais de Proteção aos Aldeões, mas Com Galinhas Públicas).
O resto da história, todos conhecemos.

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