Por
Rodrigo Capelo - Máquina do Esporte
O Brasil vive década inusitada.
Irá receber, em intervalo de três anos, eventos como a Copa das Confederações,
a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Essa maratona de eventos internacionais,
por motivos óbvios, cria oportunidades de negócio para inúmeros segmentos.
A
gestão e o marketing esportivo, entretanto, ainda estão devendo, segundo
especialista da área.
Há 50 anos no mercado, José
Estevão Cocco vê na realização das competições a oportunidade de livrar o país
do que chama de "paraquedistas", pessoas que ingressaram em gestão
desportiva sem a capacitação necessária para aplicá-la. "Não por demérito
ou maldade, mas não são bons profissinoais, capacitados para fazer marketing
esportivo com todas suas condições e qualidades", justifica o consultor.
O movimento inverso, para o
gestor, praticamente inexiste. Em outras palavras, Cocco considera bastante
improvável a possibilidade de a Copa e os Jogos Olímpicos causarem algum
prejuízo ao Brasil. Os únicos prejudicados, avalia, serão os paraquedistas.
Isso se, claro, o governo brasileiro executar todas as obras de infraestrutura
e não se concentrar apenas em enormes estádios, na opinião do especialista.
Nesse sentido, o atual
presidente da Academia Brasileira de Marketing Esportivo (Abraesporte) critica
as imposições de tamanho das arenas feitas pela Fifa, entidade máxima do
futebol, com menção positiva ao São Paulo, que recusou reformar o estádio
Morumbi além do desejado. "Eles estão corretíssimos", prossegue.
"O dinheiro investido é rentável? Tem retorno? Para o clube, não é
negócio".
Em entrevista à Máquina do
Esporte, Cocco ainda apontou o Corinthians como o time que tem aproveitado
melhor o potencial dos eventos a serem realizados, rechaçou a utilização do
modelo de naming rights para viabilizar a construção de novos estádios no Brasil
e sugeriu a aplicação de um "ficha limpa", norma aplicada à política
brasileira, no esporte.
Confira, a seguir, a
íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Quais
são os principais benefícios que eventos como a Copa podem levar ao marketing
esportivo brasileiro?
José Cocco: Há uma
infinidade. Para o marketing, principalmente, há a profissionalização do setor.
O marketing esportivo ainda engatinha no Brasil. Temos muitos ditos
profissionais no meio que, na realidade, não são. Não por maldade ou demérito, mas
não são bem treinados, capacitados para fazer o marketing esportivo, aplicá-lo
com todas suas condições e qualidades. Quando chegar 2017, o marketing
esportivo vai estar em outro patamar, tanto de profissionalização quanto, no
caso de empresas, em tamanho e respeitabilidade, porque vamos ser obrigados a
realmente nos profissionalizarmos. Haverá concorrência muito grande de
multinacionais. Empresas grandes de marketing e propaganda estão vindo para cá
e estão criando braços de marketing esportivo. Nós estamos sendo assediados por
algumas empresas estrangeiras para fazermos associações.
ME: Há algum prejuízo?
JC: Prejuízo, não. Só irá
trazer benefícios. Prejuízo é muito difícil de acontecer porque irá acabar um
pouco com os paraquedistas do meio. Se for para ter prejuízos, eles terão. Mas,
em geral, as empresas de marketing esportivo só têm a ganhar.
ME: O Estado de São Paulo
tem enfrentado alguns problemas para definir o estádio para a abertura da Copa
do Mundo de 2014. Qual seria um modelo de negócio possível para viabilizar essa
escolha?
JC: Vou me incluir nessa
polêmica. Quando se faz um projeto, é preciso pensar no mercado e não
simplesmente em quem constrói. Pensar no mercado de maneira geral. Temos uma
porção, muitos exemplos no mundo inteiro de que estádios no tamanho que a Fifa
exige são inadequados na maioria das cidades. Se já tem estádio grande, não
pode construir. Um dos dois vão micar. Há matérias de que o Corinthians não
quer o Piritubão porque o público médio do Corinthians não iria aparecer. Não
sou eu quem está falando, é o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez. Como
ele iria manter um estádio com 70 ou 75 mil lugares? É inviável. Aí o pessoal
fala em shows, mas isso não sustenta. Um complexo muito maior como o Allianz
[na Alemanha] tem o local para o jogo de futebol e mais uma série de
utilizações.
Mas aqui em São Paulo, sem torcedorismo, sem bairrismo, não se
pensou nessas utilizações. O São Paulo está corretíssimo [em aceitar a pressão
da Fifa e ampliar o Morumbi além do desejado]. Ele não pode ampliar como a Fifa
exige, não se trata de ter o dinheiro ou não. Esse dinheiro é rentável? Tem
retorno? É nisso que se tem que pensar, porque depois o clube é quem fica com a
dívida. O que a Fifa exige é um tamanho que não tem condições. As instalações
para a imprensa, a área VIP, os camarotes são coisas que dificilmente podem ser
utilizados [com a capacidade total preenchida]. O Allianz tem 500 lugares para
jornalistas e só 10% é usado em jogos normais.
ME: O senhor acredita que o
governo brasileiro esteja planejando a infraestrutura pensando no pós-Copa, a
fim de evitar elefantes brancos?
JC: Tudo o que se fizer
para a Copa ou tendo como objetivo a Copa, não pode ser feito só por causa da
Copa. A Copa vai precipitar a construção e viabilização de uma porção de coisas
que teriam de ser feitas antes ou depois. Aeroportos, transporte urbano, instalações
públicas. Isso é um legado. Isso vai ficar para a população. O estádio, o
elefante, não é legado. De certa forma, a Copa e os Jogos Olímpicos são
absolutamente feitos com dinheiro público e o que for utilizado tem que atender
às necessidades da cidade, do país, menos estádios grandes.
ME: Em relação à Copa do
Mundo, o senhor acredita que os clubes estejam aproveitando todo o potencial
que o evento possui?
JC: O próprio Paraná, o
Atlético Paranaense, está pensando muito no que fazer. Eles têm que fazer todo
o investimento. Para o clube, não é negócio. Mesmo se tiver dinheiro, vai pagar
com o que depois? O pessoal diz que naming rights paga, que exploração com
shows paga, e não é bem assim. Se por na ponta do lápis, não bate a conta.
Naming rights não pegou no Brasil e dificilmente vai pegar. No Kyocera
[ex-nomenclatura da Arena da Baixada, no Paraná], não pegou. Não importa se
trabalharam errado ou não, mas não pegou. Se sair Piritubão, não vai pegar
naming rights porque vão chamar de Piritubão, assim como chamam de Morumbi,
Pacaembu. Então para os clubes aproveitarem, eles têm que pensar. Quem está
tirando mais proveito é o Corinthians. No bom sentido, sem qualquer demérito,
pelo contrário, eles estão tentando obter um estádio. Se construir um segundo,
quem irá explorar? Só o Corinthians pode, sobra para ele. Mas, mesmo assim, o
presidente não quer arcar com manutenção.
ME: O Brasil tem repatriado
nos últimos anos jogadores como Ronaldo, Adriano, Robinho e agora há a
possibilidade de ter Ronaldinho Gaúcho novamente. Em termos de gestão, o que
esse movimento indica?
JC: Não sei se estão
melhorando, é questão de oportunidades. Temos no vôlei a repatriação de muitos,
mas não é porque o Brasil está pagando mais. É porque lá [na Europa], com a
crise, deixaram de pagar valores maiores. Quem está sendo repatriado são
jogadores em fim de carreira ou para se revalorizar, como Robinho, que não
chegou no auge, ou algo do tipo do Ronaldo, que não tem mais chance de jogar em
times de ponta europeus. Corinthians fez um bom negócio? Ótimo negócio, falando
como marketing. Não vejo como técnico ou como quem arruma o time, mas no
marketing foi uma tacada muito boa, uma oportunidade muito boa. Com o
Ronaldinho Gaúcho pode acontecer a mesma coisa. Ele é um astro. Vai trazer
público, patrocinadores, independentemente de jogar ou não. Aliás, os grandes
não contratam só o jogador técnico, mas também o nome que vende camisas,
patrocínios, ingressos. Perna de pau, logicamente, não tem espaço. Mas, sendo
bom jogador e tendo boa marca, é por aí. O que acontece no Brasil é o retorno
do pessoal que ficou três anos, não se deu bem e vem para cá por empréstimo
para ver se volta à forma, de maneira a dinamizar a presença dos jogadores.
Nesse sentido, é bem legal. Os clubes estão aproveitando bem. Para cada time,
não importa quem vem e não importa a razão, é um acontecimento.
ME: Na Europa, a Uefa criou
regras de gestão para clubes, como impedir que possuam mais despesas que
receitas. Como o senhor vê esse tipo de intervenção?
JC: Tem que existir.
Principalmente no Brasil, onde não tem atividade, postura profissional de
administração dos clubes. A maioria deixa dívidas para a outra direção. O
Timemania poderia ter zerado isso mas não foi para frente. Então fica muita
dívida. Se pegar os europeus hoje, a maioria está trabalhando no vermelho.
Estão jogando a conta para frente porque se entrar o fator paixão tem que
ganhar de qualquer maneira. O clube vive de performance e não tem patrocínio
quando não tem bilheteria. Essas regras a própria Timemania impôs. Para ela
pagar, ninguém pode ser dono de clube. Na Europa ainda tem, nos Estados Unidos,
empresas que são donas de clubes. São administradores como empresas, mas aqui
ninguém é dono de nada. Dirigentes com 50 anos de cartolagem e não saem de jeito
nenhum. Federações, Confederações, de maneira geral, têm gente que se instala e
não sai de jeito nenhum. Lá existe sistema de votação para quem não tiver
regras claras, quando a própria empresa tem prejuízos ou quando entra em
falência. Não adianta dizer nada se estiver dando prejuízo há cinco anos, a
legislação cuida disso. No esporte, não pode ser diferente. Tirando a parte
demagógica, de ingresso barato e futebol popular, o que não ajuda em nada. A
maneira mais efetiva tem de ser perene, para que tudo possa melhorar. Se
tivermos todos os estádios que estão falando, terão de acontecer bons
espetáculos para se ter um público mínimo.
ME: No Brasil, é possível e
viável que a CBF crie normas similares?
JC: Acho que é possível.
Lógico, tem que ter a vontade política de fazer. Para nosso esporte, temos que
ter um "ficha limpa", senão a corrupção, o aproveitamento, o desleixo
com o dinheiro vão continuar. Alguém tem que criar esse movimento para que
possamos reverter esse estágio que está o esporte administrativo. O próprio
Andrés [Sanchez, presidente do Corinthians] declarou que o público médio é de
25 mil pessoas. Pode? A maior torcida do Brasil. Se faz a média do Paulista, dá
10, 12 ou 15 mil. Com custo barato. Isso não dá para sustentar o esporte e fazê-lo
progredir. De anos para cá, eu diria 5 ou 6 anos, pouco mais, a administração
dos clubes está se profissionalizando. Hoje, bem ou mal, a maioria dos clubes
tem um departamento de marketing, planos econômicos e financeiros. Tem mais
gente profissional trabalhando nesse sentido com o objetivo de ser mais claro,
transparente.
ME: Muitos clubes na Europa
e alguns na América do Sul tem aberto o capital em bolsas de ações. Qual sua
opinião sobre esse tipo de modelo de gestão?
JC: Acho que o
clube-empresa, quando se torna empresa, perde uma porção de regalias fiscais.
Senão todos já seriam empresa. Mas aí tem de passar a ser cobrado como empresa,
pagar impostos, e acaba ficando mais caro. Se ficar mais caro, vai sobrar para
a receita do clube, que teria de aumentar e obrigar a profissionalização. Só
que tem de ser a mesma regra para todos. Não pode ter clube-clube e
clube-empresa. Ainda não pegou, por isso mesmo. Na empresa, o diretor é
responsabilizado pelo capital social. Da maneira que está, só agora começa a responsabilidade
de diretores por desmandos. Mas sou totalmente favorável a isso. Administração
diferenciada de empresa com algumas regalias, mas com regras claras e
legislação específica, transparência e contabilidade clara.
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